quarta-feira, 28 de julho de 2010

A última gota.


Quem gosta de verdade, sempre encontra uma desculpa para refazer decisões. Como não existe igualdade de sentimento, mesmo entre aqueles que se dizem perdidos de amor, na hora de um confronto que possa levar a um afastamento, temporário ou definitivo, um ou dois, na realidade o que gostar mais, será magoado ou machucado pela decisão do que ficou com a parte mais fácil de gostar menos, que é melhor, mas a gente sempre gosta mais e tudo se complica.

Quem gosta menos é o que toma a iniciativa de romper. É o que pede um tempo. Vai embora. Desfila por aí, carregando debaixo do braço ainda do morno calor do antigo parceiro, demonstrando uma frieza que fere fundo feito punhal afiado. Dói até na alma. Uns mergulham num copo e choram abertamente a dor sem jeito; outros calam e choram as piores lágrimas que se pode chorar - as que rolam apenas por dentro. O olhar fica perdido e o peso sufoca os soluços que só se aquietam no travesseiro amigo que abafa os gritos da dor da perda.

Ninguém inventa um gostar. Gostar de alguém é uma armadilha para qual se caminha voluntariamente. Quando menos a gente espera está-se ali, irremediavelmente preso à mercê do objeto desse gostar. E de gostar para paixão e da paixão para o amor existe apenas uma linha frágil que transpomos sem o menor esforço. E para desgostar? Imagine-se remar ao sabor da corrente de um rio apressado e depois fazer o caminho inverso. Podem existir mil comparações, mas que melhor me ocorre no momento é essa. Tente-se remar contra a maré ou as águas revoltas de um rio caudaloso. O esforço precisa ser hercúleo. E quem tem forças para vencer assim tão fácil, as águas revoltas de um coração insatisfeito? Um coração que se recusa a aceitar uma despedida com a qual nunca sonhou? É dessa angústia que nascem lamentos das músicas românticas, os enredos das histórias de amor ou as notas tristes de uma canção apaixonada. Toda história de amor tem gente chorando, gente sofrendo, despedida, saudade, adeus, volta, reconciliação. Bem, reconciliação, nem sempre. É preciso estar no script de uma novela, no enredo de um livro cujo começo ou final o autor se dá ao direito de prever, de fazer as suas colocações dos personagens e a eles sugerir ou impor um destino ao seu prazer. Nas histórias reais é bem diferente. Cada um de nós sempre sonha com um final feliz e esse final dificilmente acontece como imaginamos.

Sei o quanto custa sair de uma saudade crônica, convencer a emoção a aceitar o domínio da razão e o corpo desacostumar dos cheiros, dos toques de pelo, dos braços, dos carinhos e, ao final, transformar essa saudade numa lembrança comportada.

Certa vez eu tentei lutar contra a correnteza com a obstinação de um salmão, nadando rio acima. Os salmões conseguiam, eu não. Deixei-me levar pelas águas por muito tempo, tentando, aqui e ali, encontrar forças para retornar às minhas origens, querendo o tempo de volta para encontrar o tempo que me mostrasse os cinco minutos antes de tudo começar e desistir de enfrentar um destino que me faria feliz quando o futuro chegasse. Mais que difícil, impossível, mas teimoso, eu lutava, lutava e só me cansava, só me feria nas pedras e as cicatrizes me faziam lembrar o que tinham sido as feridas e o quanto essas feridas haviam doído. Faz bem pouco encontrei um caminho que sempre esteve bem diante do meu nariz e eu, cego de amor, nunca aceitei enxergar. Onda havia uma placa dizendo ¿Amor Próprio¿, eu dobrei. Segui reto até encontrar uma bifurcação dizendo ¿Sentimento à esquerda. Razão à direita¿. Virei à direita e fui direto até uma praça chamada ¿Dignidade¿. Sentei-me num banco chamado ¿Aceitação¿ e assumi o tempo de esperar que tudo passasse normalmente, sem apressar a saída das saudades ainda teimosas ou tentar calar os gritos que ainda existissem dentro do peito. Passei a encarar o telefone mudo como um objeto que calara e nunca mais tentei discar o número que precei esquecer. O número, na verdade, não esqueci, mas sempre lembrarei, sem fazer esforço, de esquecer de ligar. As coisas do coração são mesmo complicadas. Só quem ama pode entender. E hoje eu posso chegar perto da fonte, morrendo de sede, sem pedir para beber nos lábios onde sempre me fartei e embora sinta carência de abraços estando perto do corpo onde meus dedos escreveram infinitas canções de arrepios, apenas me contenho e assimilo a fome como aquele que sabe precisar jejuar por conta de uma fé. E é assim que estou fazendo, uma passada após a outra, uma remada depois da outra, sem fazer cara feia, sem mais lutar contra as águas do destino, seguindo meu caminho, sem olhar mais para trás, deixando à vontade o coração para fazer suas últimas confissões e a minha alma, genuflexa diante de um rosto difícil de esquecer, beber a saudade até a última gota.

(Autor desconhecido)

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